Resumo
A Rádio Moçambique (RM) foi criada como Grêmio dos Radiófilos da Colónia de Moçambique (GRCM) em 1932 e o início de suas atividades tinha um caráter amador. Entretanto, pouco tempo depois, a rádio passou a exercer papel central no projeto político e de dominação colonial portuguesa em África até o ano de 1974. Se a primeira década de radiodifusão foi marcada pela ausência de práticas musicais dos povos nativos negros, as dinâmicas sociopolíticas dos finais da década de 1950 e inicio da década de 1960 levaram à reestruturação da programação da emissora, passando a ter um programa em línguas locais dedicado aos nativos negros. Entretanto, em que pese o facto de diversos trabalhos académicos sobre a Rádio Moçambique já terem sido escritos, inexistem até ao presente momento trabalhos integralmente focados no seu acervo sonoro. Este acervo reflete em grande parte a história e as decisões políticas que guiaram, não só a instituição ao longo da sua existência, mas também o império colonial português durante o século XX.
Este trabalho, portanto, tem como foco o estudo das políticas e ideologias coloniais através do acervo da Rádio Moçambique. Baseia-se nas seguintes questões: até que ponto as ideologias e políticas coloniais contribuíram para a ausência de práticas musicais locais e lutas por significados simbólicos através da música? Até que ponto a rádio, ao longo da sua história, estabeleceu modos de escuta que promoveram e alimentaram políticas coloniais? A análise é baseada na revisão crítica da literatura sobre três grandes eixos temáticos que possuem relação direta com o tema proposto: os arquivos em contexto colonial, o arquivo sonoro e a Rádio Moçambique. A partir do estudo de caso do Rádio Clube de Moçambique, em geral, procuro contribuir para a construção do arquivo decolonial inscrevendo no debate crítico a radiodifusão e as coleções fonográficas a ela associadas enquanto agentes de regulação de políticas coloniais através da música e do som.