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É com grande pesar que o Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança (INET-md), e em particular a equipa do Projecto Orfeu (1956-1983), recebe a notícia de morte do editor discográfico, empresário e poeta Arnaldo Trindade (21/09/1934-08/01/2024).
 
Figura central da história da música popular em Portugal no século XX, Arnaldo Trindade foi o fundador da etiqueta discográfica Orfeu, no Porto, através da qual gravou e distribuiu uma parte significativa da música popular produzida em Portugal no século XX.
 
A actividade de gravação e edição discográfica que iniciou no final da década 50 do século XX, desempenhou um papel central na transformação das formas de escuta do país no complexo trajecto histórico, de transformações políticas e sociais que caracterizou esse século em Portugal.
 
Amplamente familiar do sistema de produção capitalista internacional desintonizado com o desenvolvimento económico e industrial de Portugal no período da ditadura, Arnaldo Trindade conjugou formas de produção da indústria discográfica internacional com projectos artísticos de vanguarda. Os discos de poesia a que chamou “Antologia da Poesia Portuguesa” vieram desafiar as formas canónicas deste género literário, configurando novos modos de sensibilidade mediadas pela voz dos poetas.
 
Do mesmo modo, as aproximações ao teatro de vanguarda da cidade do Porto através das afinidades com António Pedro e os artistas — actores, poetas e artistas plásticos — gravitando ao redor do Teatro Experimental do Porto, constituíram veículos fundamentais de propostas sonoras que reclamaram novas categorias culturais num momento em que a cultura popular no país se inscrevia em categorias cristalizadas e amplamente encenadas por uma política cultural impositiva. É disso exemplo a gravação do Conjunto António Mafra que, a partir de final dos anos 50 vem propor articulações entre a cultura popular mediatizada e o universo de expressão tradicional, com um impacto tanto em Portugal como nas comunidades da diáspora.
 
Foi contudo, o acolhimento que encontraram na Orfeu músicos da tradição académica de Coimbra como (entre outros) Adriano Correia de Oliveira, Rui Pato, António Portugal e, sobretudo José Afonso, o que veio a configurar o reconhecimento transversal da editora historicamente. Esse momento de viragem estética e ideológica na canção de Coimbra no anos 60 do século XX, que a tornou um terreno de contestação política e social, fez sobreviver a memória da etiqueta Orfeu e o papel fundamental de Arnaldo Trindade nas sonoridades que acompanharam o trajecto de democratização do país, antes de e depois do 25 de Abril de 1974.
 
O Projecto Orfeu, em colaboração e intimidade com Arnaldo Trindade que generosamente se empenhou na sua realização, tentou inaugurar formas de reflexão acerca da articulação entre a cultura popular, o desenvolvimento da sociedade de consumo e a transformação da sensibilidade política no país entre as décadas de 50 e 80 no século XX. É, portanto, com um profundo reconhecimento do seu papel agenciador nesta transformação, mas também um enorme sentimento de pesar pela perda de um amigo, que o Instituto de Etnomusicologia presta a sua sentida homenagem a Arnaldo Trindade. Em curso continuarão todas as formas de reflexão que ainda faltam cumprir acerca da importância da Orfeu e da singularidade do seu editor, perpetuando, como ambicionava, o “espírito Orfeu”.
 
Leonor Losa,
pela equipa do Projecto Orfeu

 

 

 
Na fotografia da esquerda, vemos Arnaldo Trindade com o seu amigo e produtor musical da etiqueta Orfeu, Jozé Niza (n. 1938- m. 2011). E na fotografia da direita, vemos Arnaldo Trindade com José Afonso na Convenção do Disco, Ofir, 1969. Fotografias disponíveis na página do Projecto Orfeu, aqui e aqui.
 
 
Mais informação sobre o Projeto Orfeu, aqui.